quinta-feira, 2 de junho de 2016

Coluna: De ferramenta cotidiana a celeuma jurídico-penal.

Saudações aos colegas concurseiros e aos demais colegas operadores do direito, seguidores do @criminais!

Como matéria inaugural desta coluna, falaremos, hoje, de um mecanismo presente no cotidiano da grande maioria dos brasileiros, bem como na vida da maior parte dos usuários da rede mundial de internet: o WhatsApp.

O aplicativo multiplataforma de envio de mensagens de texto, dados e de chamadas de voz entre smartphones, vem causando acaloradas discussões no âmbito jurídico.

Isso porque, diante das funcionalidades disponibilizadas, pela velocidade e facilidade de compartilhamento das informações, este app se tornou uma importante ferramenta para a prática delitiva.

Como não destacar a (polêmica) determinação de suspensão dos serviços do aplicativo pelo período de 72 (setenta e duas) horas, proferida pelo DD. Juiz de Direito Marcel Maia Montalvão, da Vara Criminal do Município de Lagarto/SE (em 02/05/2016, processo nº 201655000183).

Segundo a imprensa “O magistrado atendeu a uma medida cautelar ingressada pela Polícia Federal, com parecer favorável do Ministério Público, em virtude do não atendimento, mesmo após o pedido de prisão do representante do Facebook no Brasil, da determinação judicial de quebra do sigilo das mensagens do aplicativo para fins de investigação criminal sobre crime organizado de tráfico de drogas, na cidade de Lagarto/SE”. (Fonte: G1.Globo.com).

Sem querer adentrar no mérito da decisão, é necessário que façamos os seguintes questionamentos:

-  O Estado detêm o poder de determinar a quebra de sigilo telefônico?
Sim.

Trata-se de medida judicial, de cunho cautelar, denominada de “interceptação telefônica”. Consiste, outrossim, numa exceção à inviolabilidade das comunicações telefônicas.

Ocorre que, para o deferimento da citada medida cautelar, é necessário o preenchimento de alguns requisitos. Em suma: ordem judicial, previsão legal e finalidade específica, qual seja, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (artigo 5º, inciso XII, da CRFB/1988).

- Qualquer dos poderes estatais poderá, então, determinar a interceptação telefônica?

Não.

Consiste em uma medida revestida pelo postulado de reserva constitucional de jurisdição.

Isto é, trata-se de uma medida dependente de autorização judicial, visto que esta excepcionará uma garantia fundamental expressamente preconizada pela Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso XII.

Diante disso, “somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem haja eventualmente atribuído o exercício de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” (Min. Celso de Melo, MS 23452/RJ).

- E, afinal, a suspensão do WhatsApp foi determinada sob qual fundamento?

O Magistrado informou, em nota publicada pela imprensa, que a medida cautelar de quebra do sigilo das mensagens de usuários do aplicativo investigados pelo crime organizado de tráfico de entorpecentes, requerida pela Polícia Federal, embasou-se nos artigos 11º a 15º da Lei do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014).

- O que está regulado pela Lei do Marco Civil da Internet?

O supracitado diploma legal consiste numa importante ferramenta de regulamentação dos serviços prestados pela Internet.

Além de disciplinar o comércio eletrônico, dispondo sobre garantias à defesa dos consumidores e fornecedores de produtos e serviços, a referida lei também rege os serviços desenvolvidos pelos provedores de Internet.

Pois bem.

A Lei 12.965/2014 preconiza, em seu artigo 11º, § 3, que “Os provedores de conexão e de aplicações de internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações”.

Nesse mesmo sentido, “O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento” (artigo 15, caput).

Sobre este ponto está o cerne da questão.

O proprietário do WhatsApp, Mark Zuckerberg, alega que não tem acesso as mensagens trocadas entre os usuários dos serviços fornecidos pelo aplicativo.

Destaque-se, inclusive, que após o verdadeiro “caos” gerado com a dita suspensão, as mensagens enviadas pelos usuários passaram a ser protegidas pelo sistema de criptografia (mecanismo que impossibilita o acesso ao conteúdo das conversações por terceiros).

Diante disso, poderíamos afirmar que a política desenvolvida pelo app viola os preceitos positivados pelo Marco Civil da Internet?

Eis uma questão que será, sem sombra de dúvidas, debatida em um futuro (não tão distante) pelos nossos Tribunais Superiores.

Por fim, insta destacar que, nas últimas semanas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão também envolvendo o WhatsApp.

Decidiu, no RHC 51531, ser necessária autorização judicial para acesso ao conteúdo das conversas trocadas pelo app e armazenadas em aparelho de telefone celular apreendido durante prisão em flagrante delito.

Ocorre que, ao adotar tal posicionamento, o STJ apresentou uma verdadeira divergência quanto à matéria, visto que a Suprema Corte, no HC 91867, já havia se manifestado de maneira contrária.

- Mas, e agora? Qual das decisões deverá prevalecer?
Muito bem, prezados colegas. Trata-se de uma matéria a ser discutida em outra oportunidade.

Esta foi a minha singela contribuição por hoje. Espero que tenham gostado!
Bons estudos a todos! Até breve!









   Jéssica Almeida. Advogada (OAB/SE), Pós-Graduanda em Direito Penal e Processual Penal. Aprovada em concursos jurídicos (TRE/SE, TJ/SE, MP/SE e Procuradoria Municipal).

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