quinta-feira, 16 de novembro de 2017

(DES)CONSTRUINDO DIREITO MULHERES NEGRAS NO MERCADO DE TRABALHO

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Próximo a comemorarmos o Dia da Conscientização Negra (20 de novembro) este artigo estuda sobre a mulher negra, sua posição no mercado de trabalho e como, ainda, nos dias atuais temos dificuldade em vermos negros em altos cargos, principalmente ao se tratar do gênero feminino.

Há, aproximadamente um mês, quando chegou ao fim a novela A força do Querer, passei a refletir sobre o papel do personagem Sabiá (Jonathan Azevedo), um traficante dono de um determinado Morro. Vi vários comentários a respeito da cor da sua pele, o qual me deixou alerta com uma certa frequência sobre a nossa relação com a cor negra e os papeis que a mesma ocupa.

Explico. Comentários do tipo “preto só faz papel de bandido”, “me desculpe, mas o papel de traficante caiu muito bem pra ele kkkkk tenho até medo se eu ver em lugar público não faço questão de tirar selfie”. E, infelizmente, só vemos negros e negras ocupando papeis de escravos, empregadas domésticas, motoristas. É muito raro ver um negro interpretar um (a) protagonista.

O Jonathan foi para fazer uma participação, mas ele pegou esse papel e transformou em um grande ícone na própria novela. Mas, ainda assim, ele teve que provar muito mais (que estava no lugar certo e merecia uma chance), com muito mais empenho, do que outros personagens “brancos” que são dados automaticamente como talentosos.

O mesmo ocorreu com a Miss Brasil 2017, a terceira negra a vencer o concurso e representar o Brasil no Miss Universo (que também parece trabalhar com segregação racial para aquelas que ocupam o título de Miss Universo). Comentários como “Credoooo! A Miss Piauí tem cara de empregadinha, cara comum, não tem perfil de miss, não era pra tá aí", "Achava que o critério do #MissBrasil era beleza mas parece que é só ser negra com discurso politicamente correto".

Agora, o questionamento que me deixa alerta sobre a nossa relação com a cor negra: Será que eu também penso assim? Será que eu vejo a pele negra como perigosa e fico mais tranquila se do outro lado da rua passa uma pessoa branca ao invés de uma negra? Será que galã de novela só poder ser aquele cara branco do olho azul? O que aquela executiva, negra, fez para ser diretora dessa empresa? Será que eu, inconscientemente também carrego esse pensamento? Faça essa reflexão.

Agora, dando enfoque ao tema do artigo. Será que o processo de inclusão e igualdade no ambiente de trabalho atinge as mulheres negras?

Faço esta pergunta não porque “devemos isso aos negros”, ou para vitimizá-los e, por caridade, dar uma vaguinha para eles (uma pequena cota para eles se sentirem representados). Mas, pelo contrário, existe muita negra qualificada por aí e a seletividade com relação à cor da pele é, sim, uma realidade em nosso país.

Um estudo, publicado pelo IBGE, mostra que o percentual de negros e negras no Ensino Superior aumentou quase o triplo, em 10 anos (fonte: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/presenca-negra-nas-empresas-ainda-e-desafio), ou seja, existem negros qualificados e a falta de escolaridade mínima exigida para adentrarem nas grandes empresas já não pode ser um argumento válido.

Recentemente, uma jovem negra, relatou as dificuldades encontradas para conseguir um posto de trabalho qualificado, a despeito do seu currículo e experiência. Fluente em três idiomas, pós-graduada na área de negócios e com experiência em cargo de chefia, ouviu da consultora de RH que o seu perfil nas redes profissionais era “muito descolado” (cabelo crespo e roupa colorida) e que roupas mais sóbrias combinadas com o cabelo alisado poderiam ser mais apropriadas. (fonte: idem)

Desta maneira, a trajetória, pelo referencial da cor da pele, é diferente quando se trata de uma branca com cabelo liso natural. Pode ser que esta mesma branca de cabelo liso não seja tão qualificada profissionalmente quanto a negra de cabelo crespo que fala três idiomas e tem experiência na área, o que dita a qualificação (em grande parte das empresas) é a cor da pele. E as empresas de recrutamento vão aprimorando seus processos de exclusão

Entende como é uma luta contra a discriminação e a igualdade de direitos? Hoje, mulheres que ganham salários maiores que os homens e que possuem um cargo de alto escalão, quando competem com um homem que tem a mesma qualificação profissional que ela, são poucas, dentro do contexto do país. De acordo com o IBGE, em 2015 as mulheres ganhavam 23,6% a menos que os homens (fonte: http://economia.ig.com.br/2017-07-05/ibge-diferenca-salarial.html). Um quadro comparativo de cargos mostra esta diferença salarial, abaixo.


Agora, sendo mulher e negra, as chances de se lançar no mercado de trabalho, em cargos de chefia, são ainda menores.

Tenho a convicção, baseada em estudos de raça, de que existe uma padronização, ou seja, existe uma referência ou algo que seja universal, um modelo, o que foge disso é tomado como estranho ou considerado impróprio. O “homem branco” é o que estabelece a norma no mercado de trabalho e o que se afasta desta referencia não é aceitável.

Quando se trata de mulheres negras, o diferencial no mercado de trabalho é ainda mais alarmante. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014 mostrou que homens de mulheres que se declaram negros representam 60,3% de todo o aumento de desemprego gerado entre 2013 e 2014 no país, sendo que nesta mesma época, o Brasil possuía 2,4 milhões de mulheres negras desempregadas e 1,2 milhão de homens brancos desempregados (fonte: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/presenca-negra-nas-empresas-ainda-e-desafio).

Apenas 31,3% das mulheres negras ocupadas com 16 anos ou mais, em 2014, possuíam carteira assinada, taxa muito inferior ao percentual de homens, na mesma situação, há uma década. Os homens brancos ainda percebem rendimentos 60% superiores aos das mulheres negras. Nos cargos diretivos, apenas 10,8% ocupam estes cargos.

Tal desigualdade pode ser analisada por vários fatores e causas. Mulheres e negros, ainda, são vistos como menos competentes, divisão racial e sexual do trabalho, dentre outros. A mulher negra tem, imediatamente, sua competência colocada à prova.

De acordo com pesquisa do Instituto Ethos, apenas 1,6% de mulheres negras são gerentes e somente 0,4% participam do quadro executivo, ou seja, são duas mulheres negras entre 548 diretores (fonte: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-grande-desafio-e-ampliar-a-presenca-de-mulheres-negras-nas-empresas).

Os centros de recrutamento devem ser mais inclusivos e abertos à diversidade. Homens brancos tendem a promover outros com o mesmo perfil que o seu, ou seja, existe um fortalecimento desse modelo quando há a escolha de seus iguais e esses iguais são os brancos. Muitas empresas, hoje, tentam ampliar a equidade racial e de gênero e tentam se adequar a processos que permitem a mudança da reputação de ser uma “empresa branca”.

As empresas precisam se comunicar para incluírem as mulheres negras em seus quadros corporativos. O censo é uma contribuição valiosa para iniciar esta mudança. O aprimoramento das práticas empresariais, pensado coletivamente, pode modificar os quadros da discriminação de gênero e raça nas empresas.



Karla Alves
Bacharel pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV
Advogada

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